O palestrante da 25ª Convecon, Leandro Karnal, foi entrevistado pela revista Época. Conheça o palestrante mais famoso do Brasil hoje

Publicado em 27/6/2017

Raiz? Nutella? Sabão de coco? Um perfil de Leandro Karnal

Como o historiador Leandro Karnal se tornou o intelectual mais pop do Brasil investindo num discurso que recusa a facilidade da polarização

O Carnaval está às portas e a praia a poucas quadras dali, mas nada disso anima os papos cariocas num fim de tarde abrasador. No Shopping Leblon, só se fala de um assunto: Leandro Karnal. O intelectual mais pop do Brasil é esperado para uma palestra na Casa do Saber sobre ética e democracia. Uma hora antes do início da palestra, quase não há poltronas disponíveis no teatro. Os 900 ingressos – R$ 150 cada – esgotaram com uma rapidez que surpreendeu os organizadores. A plateia é composta sobretudo de mulheres de meia-idade, mas os homens não são poucos e há jovens aqui e ali. Enquanto Karnal não vem, muitos leem Felicidade ou morte (Papirus 7 Mares), escrito a quatro mãos com Clóvis de Barros Filho, outro intelectual que caiu nas graças da opinião pública. No canto do palco, há uma poltrona, alguns livros e uma luminária. Parece o refúgio perfeito para um intelectual que busca encontrar respostas para os dilemas políticos e econômicos da nação – mas o lugar de Karnal é no palco, sob os holofotes. O único momento em que ele se senta na poltrona é quando a palestra acaba e se forma uma fila de gente suplicando por autógrafos e selfies. Karnal atende a todos com polidez e um sorriso no rosto.

Karnal fala durante uma hora e meia e jamais perde a atenção da plateia. As palmas, as risadas e o que ele chama de “reações bovinas” – “hummmm...” – são frequentes. O professor Karnal conta a história da democracia – da qual ele se diz “fã incondicional” – desde a Grécia Antiga, passando pelos filósofos iluministas, até a redemocratização brasileira nos anos 1980 – ele se lembra com deboche dos governos de José Sarney e Fernando Collor de Mello, mas para por aí “para não ferir suscetibilidades mais recentes”. A explanação é temperada com piadas, causos de sua infância gaúcha e comentários sobre o noticiário, como as prisões de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, e do ex-bilionário Eike Batista, a quem ele chama de “Voldemort 1” e “Voldemort 2”, numa referência ao vilão de Harry Potter. O público cai na gargalhada quando o palestrante repete um conselho da mãe: “Marido e empregado é melhor não trocar, porque vem pior”. Este é o roteiro que Karnal segue em suas palestras: apresentar temas densos, citar autores ilustres e conquistar a plateia por meio do humor.

Karnal tem 54 anos, é solteiro e sem filhos. É alto e forte como um camponês alemão. Sua calvície é famosa e rende trocadilhos como “leandro de saber”, que ele repete em suas palestras e aulas. Nos últimos dois anos, ascendeu como um intelectual público com um séquito de seguidores, uma espécie de pastor a conduzir ovelhas confusas pelos prados esburacados da política brasileira. Doutor pela Universidade de São Paulo (USP) com uma tese sobre as representações religiosas no Brasil e no México do século XVI, ele é professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), onde dá aulas sobre história da América. Sua página oficial no Facebook soma mais de 1 milhão de curtidas.

Nascido em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, numa família de classe média e profundamente católica, Karnal quase foi jesuíta, mas trocou o seminário pela sala de aula. Seus alunos são cada vez mais numerosos. Ele não revela quantas palestras dá por mês, mas não são poucas. Em fevereiro, por exemplo, sua agenda estava comprometida até a sexta-feira de Carnaval – e ele voltou ao batente na Quarta-Feira de Cinzas. Ele também não fala em valores, por motivos de segurança, mas admite que os preços variam muito de uma palestra para outra. Algumas podem sair de graça. Fontes do mercado ouvidas pela reportagem especulam que uma palestra de Karnal pode custar algo em torno de R$ 30 mil. Seus livros vendem bem. Em abril, uma nova edição de Pecar e perdoar: Deus e o homem na história (Harper Collins) chegou às livrarias com tiragem de 30 mil exemplares – dez vezes mais que a média de um autor nacional. Felicidade ou morte vendeu mais de 56 mil cópias. Os quatro livros sobre história e educação pela Editora Contexto somam mais de 130 mil exemplares vendidos. Para o segundo semestre, a editora Planeta prevê um livro que reunirá conversas sobre fé entre Karnal e Fábio de Melo, o padre preferido dos tuiteiros.

Karnal recebeu ÉPOCA em seu escritório no Jardim Paulista, bairro de classe média de São Paulo, uma semana após sua palestra na Casa do Saber. Karnal tem uma melodiosa voz de barítono que segue num tom que quase nunca se altera, como o de um pastor protestante ou um bacharel. Ele responde às perguntas como quem dá uma aula: não se esquece do contexto histórico nem de citar livros e autores – Dostoiévski, Shakespeare, Montaigne, Erich Auerbach – com naturalidade e pronúncia irrepreensível. Ele conta que andar na rua ficou mais difícil desde que começou a aparecer nos jornais e na televisão. Os pedidos de autógrafo, selfies e os cochichos “olha o Karnal!” são constantes. Declarações de amor de moças e rapazes são comuns – alguns tentam apalpá-lo; outros, mais românticos, propõem casamento. Ele confessa que já recebeu um ensaio fotográfico de uma fã só de lingerie – as fotos vinham adornadas com frases dele.

Karnal se equilibra numa posição equidistante dos clichês da direita e da esquerda e investe num discurso moderado que alcança um público amplo e simpático a ideologias diversas – ou a ideologia alguma. Ele rejeita a polarização que emburrece o debate público brasileiro e recusa as respostas monossilábicas, como “sim” ou “não”. Quando querem que ele vista uma camisa e se coloque claramente num dos lados da arquibancada do grande Fla-Flu nacional, ele lembra que é torcedor do Clube Esportivo Aimoré, de São Leopoldo. “Se me perguntarem sobre PT ou PSDB, eu digo, com muita alegria, que não voto e não votarei em nenhum dos dois partidos por motivos parecidos: infrações éticas, incompetência administrativa, jogos de poder nos quais os interesses pessoais se sobrepõem aos da nação”, afirma.

Essa postura de Karnal – recusar o discurso facilitador da polarização – é posta à prova com frequência. Na noite de 10 de março, ele postou, no Facebook, uma fotografia em que aparecia num restaurante curitibano com os juízes federais Anderson Furlan Freire da Silva e Sergio Moro. “Talvez não faça sentido para alguns. O mundo não é linear. A noite e os vinhos foram ótimos. Amo ouvir gente inteligente”, dizia a legenda. A internet tomou um susto: teria Karnal descido do muro? Muita gente de esquerda interpretou a foto com Moro como uma tomada de posição: Karnal escolheu se sentar à mesa com a “direita”. Nessa interpretação rasa, “isentão” virou “coxinha”. A foto foi compartilhada e comentada milhares de vezes. Muitos anunciaram que deixariam de segui-lo nas redes sociais. “As pessoas me viram jantando com Moro e interpretaram aquilo como uma adesão aos coxinhas”, diz Karnal. “Cometi um erro ao não avaliar esse ambiente político polarizado em que qualquer frase que não seja de total simpatia ou antipatia é tomada como traição.” Dois dias depois, Karnal apagou a foto e publicou um “textão” em que reafirmou sua equidistância dos extremos do espectro político e ser um “crítico do racismo, da misoginia e da homofobia, um professor interessado de forma apaixonada na educação”.

Fonte: Época.