Profissional da Contabilidade LGBTQIA+: profissionais relatam experiências no ambiente corporativo e destacam razões para ter orgulho de ser quem se é

Publicado em 2/7/2021

Em 28 de junho, é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBT, também chamado de Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. A data marca o enfrentamento da população à repressão e homofobia da polícia em 1969, no bar Stonewall Inn, em Nova York, e é um marco na busca da igualdade e aceitação de pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de gênero.

Este orgulho celebrado no dia 28 de junho trata sobre a reafirmação das individualidades de cada um, mas também sobre a busca pela igualdade de direitos e o enfrentamento ao preconceito, à discriminação e violência existentes na sociedade, para que ninguém mais tenha vergonha ou motivos para esconder quem realmente se é.

E para demonstrar seu apoio por um mundo mais justo e com igualdade de direitos, o CRCSP trará durante a semana alguns depoimentos de profissionais da contabilidade que são LGBTQIA+. Os relatos demonstram alguns dos motivos que os entrevistados têm para se orgulhar neste dia, que é significativo não apenas para a comunidade LGBTQIA+, mas para todos aqueles que acreditam em um mundo mais diverso e inclusivo.

Daisy Christine Hette Eastwood

Profissional da contabilidade e advogada especialista na área tributária, controladoria e gestão estratégica, Daisy Christine Hette Eastwood é conselheira do CRCSP e coordena o Grupo de Trabalho Diversidade e Inclusão (GDI).

Empresária contábil atuante na Baixada Santista, Daisy também é diretora Financeira do Sindicato dos Contabilistas de Santos na gestão 2020-2022, presidiu o Sindicato de 2005 a 2007 e foi diretora da Federação dos Contabilistas do Estado de São Paulo (Fecontesp) no período de 2017 a 2019.

Além de sua atuação profissional e pelo desenvolvimento da profissão contábil junto às Entidades de classe, Daisy também dedica seu tempo à defesa dos Direitos Humanos. Ela é coordenadora da Comissão Municipal de Diversidade Sexual de Santos (CMDS), presidente da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros de Santos (APOLGBT Santos), vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Santos (OAB-SP), diretora Financeira e Jurídica da Associação Mães pela Diversidade, integrante da Comissão de Direito Homoafetivo e de Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e representante municipal da Aliança Nacional LGBT.

Nesta entrevista ao portal do CRCSP, Daisy relata um pouco sobre as razões para se ter orgulho do Dia do Orgulho LGBT e sobre o que é ser profissional da contabilidade, mulher, mãe, lésbica e, acima de tudo, uma cidadã que possui direitos e que luta para que todos tenham as mesmas oportunidades e direitos.

CRCSP - O que significa o Dia do Orgulho LGBT para você? Por que esta data é significativa?

Daisy- É por causa da revolta de Stonewall que o orgulho LGBTQIA+ é celebrado em 28 de junho, data que consideramos o marco onde o ativismo pelos direitos LGBTQIA+ ganha o debate público e as ruas.

Este acontecimento nos “tirou do armário” e, a partir daí, cria a ideia do orgulho, em contraponto à vergonha que a sociedade cisheteronormativa tenta nos impor, em relação à nossa homoafetividade.

Todos os dias são de luta por inclusão e respeito, mas o mês de junho e, em especial, o dia 28 de junho, é o momento em que reafirmamos nossos direitos enquanto cidadãos e cidadãs. Estes direitos, como o casamento civil, a doação de sangue e a criminalização da lgbtfobia foram, em essência, conquistados na esfera judicial, devido à omissão do Congresso Nacional.

O Dia do Orgulho LGBT é a nossa busca pelo respeito à orientação sexual, identidade ou expressão de gênero, fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária e preponderante em suas ações em busca de justiça social e garantia de direitos.

CRCSP - Você já sofreu preconceito no ambiente de trabalho?

Daisy- Particularmente, antes de me entender e me assumir LGBTQIA+, passei por casamentos e relacionamentos heteronormativos e o maior preconceito, na minha época, era por galgar cargos na condição de mulher.

Quando me assumi, já possuía minha própria empresa, mas passei e ainda passo por situações de preconceito de pessoas com as quais me relaciono profissionalmente, principalmente pelo fato de ser mulher e lésbica.

Em ambientes predominantemente masculinos, as mulheres que se sobressaem, sejam elas heterossexuais, bissexuais ou lésbicas, sofrem estigma e discriminação, não em razão de sua liderança ou competência, mas em razão de uma cultura sexista e machista a que somos submetidas em todos os ambientes.

CRCSP - Em sua opinião, como é possível lidar com a intolerância de outras pessoas?

Daisy- Temos a lesbofobia, como a intolerância, o rechaço, o temor, o preconceito ou a perseguição às mulheres que não cumprem com as normas de gênero estabelecidas culturalmente pelo poder masculino e ela é agravada pelas relações desiguais que desqualificam as mulheres em geral.

Buscamos lidar com essa intolerância através da informação. Por este motivo, precisamos falar sobre isto em todos os ambientes. Ninguém precisa ser LGBTQIA+ para respeitar a população LGBTQIA+. Para ter este respeito, é necessário apenas estar seguro quanto à sua própria sexualidade e possuir caráter para conviver e respeitar as diferenças.

CRCSP - O que é ser LGBTQIA+ no ambiente corporativo?

Daisy- O mundo corporativo é um reflexo da nossa sociedade e, por isso, ainda existem muitos desafios para a inclusão LGBTQIA+ neste ambiente.

A dignidade da pessoa humana e a criação de oportunidades para que todos e todas possam desenvolver seu potencial de forma livre, autônoma e plena devem ser diretrizes das empresas para a inclusão da população LGBTQIA+.

Mas os avanços nos grupos de diversidade e inclusão nas empresas sinaliza para um futuro em que ser LGBTQIA+ não seja mais uma distinção para a sua inclusão profissional.

CRCSP - Você tem orgulho de sua profissão?

Daisy- Tenho imenso orgulho da profissão que escolhi. Foi com ela que criei e eduquei meus filhos e que me sustenta até os dias atuais. Sou uma apaixonada pela Contabilidade.

Sou também advogada com especialização na área tributária e busquei essa formação, na verdade, para conhecer os meandros da área e aplicá-los na consultoria aos meus clientes da área contábil.

Tenho orgulho, principalmente, quando participo das atividades do meu Conselho em apoio à causa LGBTQIA+ e à inclusão dos jovens LGBTQIA+ que a ela pertencem.

Fabian Algarte da Silva

Formado em Ciências Contábeis, Psicologia e Física, Fabian Algarte da Silva é perito contábil e atua na área processual trabalhista em escritório próprio.

Um ativo defensor da igualdade de direitos e das políticas de inclusão e diversidade no ambiente de trabalho, Fabian também é presidente do Comitê de Ética do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) e coordenador nacional da área de homens trans e transmasculinidades da Aliança Nacional LGBTI+.

Em entrevista ao Portal do CRCSP, Fabian relata o que é ser um homem trans no mundo corporativo, fala um pouco sobre os preconceitos que a população LGBTQIA+ sofre e sobre como é possível promover uma atmosfera de aceitação e respeito no ambiente de trabalho.

CRCSP - O que significa o Dia do Orgulho LGBT para você? Por que esta data é significativa?

Fabian- Para mim, é um marco histórico de um momento de luta pela dignidade da pessoa LGBTQIA+ e pela garantia de direitos humanos fundamentais dessa população. O levante de Stonewall não foi uma batalha, foi o início de um basta. Foram pessoas cansadas de serem empurradas para a margem da sociedade e tratadas como criminosas apenas porque a existência delas divergia da cisheteronormatividade.

É importante lembrar disso, lembrar que lutamos há décadas pelo respeito ao nosso direito de existir, de viver em segurança e de sermos respeitados em nossa integridade física e mental. Devemos lembrar que cada conquista, nacional ou internacional, da garantia de direitos humanos básicos da população LGBTQIA+ foi construído com ação. Foram conquistas obtidas com muito trabalho junto ao poder público, ações judiciais e com a ida às ruas.

Precisamos lembrar que poder andar de mãos dadas na rua hoje é uma conquista sócio-histórica de toda uma população que ainda não é legalmente garantida em 100% do planeta. E devemos lembrar também que ainda precisamos cuidar para que não sejamos desrespeitados e atingidos em nossa integridade por pessoas que insistem em operar com desrespeito e violências.

CRCSP - Você já sofreu preconceito no ambiente de trabalho?

Fabian- Eu já fui alvo de preconceitos em diversos ambientes de trabalho. No Brasil, a cultura machista usa muito o chiste, a “piada” e o “trocadilho” como forma de destilar preconceitos e violências contra vários grupos sociais. Ambientes de trabalho e mesmo os de educação são repletos deste tipo de conduta.

CRCSP - Em sua opinião, como é possível lidar com a intolerância de outras pessoas?

Fabian- Com educação. É necessário promover a educação que vem através da informação e também a que vem através da aplicação da lei.

Existem pessoas cujas ideias pré-concebidas e preconceitos se desfazem diante de um diálogo aberto e de fluxos de informação.

Existem pessoas que são informadas, têm acesso a conceitos como direitos humanos e, mesmo assim, escolhem propositadamente desrespeitar pessoas sob a alegação de “ter opiniões”. Para essas pessoas, a educação precisa vir pelo viés judiciário. Isto se dá tanto pela autuação criminal direta em casos de preconceito contra a população LGBTQIA+, com o amparo à criminalização da lgbtifobia na lei de racismo, como pela via cível, nas ações de direito pessoal.

É importante educar, inclusive deste jeito. A educação é a única forma de garantir respeito pelos direitos humanos, que é o mínimo para termos uma sociedade civilizada.

CRCSP - O que é ser LGBTQIA+ no ambiente corporativo?

Fabian- Algumas vezes é ser obrigado a ter paciência com quem comete erros, mas não gosta de ser informado deles. É dizer: “não importa que você tenha dúvidas pessoais, você não tem o direito a fazer perguntas íntimas a ninguém que não te dê expressa autorização ou liberdade para fazer isso”.

Por vezes, é ter de se dedicar em horas extras e desafios maiores para ouvir: “você trabalha bem, nem parece que é trans”. Porque a sociedade faz juízo de valor sobre a população LGBTQIA+ e muita gente acredita que isso diminui nossa potencialidade de trabalho, o que é absurdo, certamente.

Por vezes, é não comparecer às festas familiares de congregação da empresa porque a empresa não possui uma política de Direitos Humanos voltada à diversidade e você sabe que seu parceiro de mesmo gênero não será bem recebido, porque vocês não são citados como família nas políticas da empresa.

É receber reclamações porque você foi ao banheiro masculino, sendo um homem - um homem trans.

É ter de buscar as determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) porque ainda hoje há empresas que se recusam a reconhecer a legalidade do casamento homoafetivo. Geralmente, a população LGBTQIA+ tem maior conhecimento sobre direito civil que os demais, porque precisa relembrar pessoas físicas e jurídicas a todo momento que ela tem o direito de existir como qualquer outra pessoa.

CRCSP - Você tem orgulho de sua profissão?

Fabian- Sim, tenho muito orgulho! Eu me apaixonei por Ciências Contábeis ainda na faculdade e acho uma área espetacular e multifacetada. Eu adoro o meu trabalho na área de Perícia Processual, pois estou sempre aprendendo e ampliando meus horizontes.

Iago França Lopes

Contador e educador, Iago França Lopes é integrante do Coletivo Contábil de Inclusão e Diversidade (Colid), grupo formado por profissionais da contabilidade e pessoas ligadas à área para promover a informação e o respeito às diferenças.

Mestre em Contabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutorando em Contabilidade pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Iago também é editor da newsletterda Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis (ANPCONT) e um ativo defensor de causas voltadas à igualdade de direitos, respeito e liberdade.

Em entrevista ao Portal do CRCSP, Iago relata seu orgulho de ser negro, gay, professor e contador e de poder contribuir para a construção de uma sociedade melhor a cada dia.

CRCSP - O que significa o Dia do Orgulho LGBT para você e por que esta data é significativa?

Iago- O Dia do Orgulho LGBTQIA+ é de extrema importância para que possamos realizar um resgate histórico e cultural dos processos de luta que acontecem no mundo todo, desde a rebelião de Stonewall Inn, em 1969, para que possamos nos conscientizar sobre a violência sofrida ainda nos dias de hoje pelas pessoas LGBTQIA+.

É extremamente significativo também olharmos para esta revolta de Stonewall e entendermos que precisamos lutar, alcançar novos espaços e unir forças para que outras pessoas sejam acolhidas e possam exercer profissões que melhor se encaixam em suas habilidades.

Tem uma frase da economista e escritora Maria de Conceição Tavares que diz “Há muita dor, mas existe a raiva. E a raiva é energia para lutar”. Diante das agressões que vivenciamos ainda nos dias de hoje, é necessário questionar até quando as pessoas LGBTQIA+ serão assassinadas. Até quando iremos ocupar os primeiros lugares no mundo em questão de violência. Por estase outras razões, precisamos criar uma sociedade segura para todos e isto também é um papel de todas as instituições.

CRCSP - Você já sofreu preconceito no ambiente de trabalho?

Iago- Durante minha vida profissional e acadêmica colecionei algumas experiências de violência e preconceito sim. Hoje eu utilizo meu black power, inclusive, em decorrência de uma violência homofóbica que sofri no ambiente universitário, enquanto aluno de mestrado.

A intolerância é uma situação quase que diária, dependendo dos espaços que você está. Esta violência pode se dar de diferentes formas, desde uma piada ofensiva, ou sua competência ser colocada em xeque em razão de sua orientação sexual.

CRCSP - Em sua opinião, como é possível lidar com a intolerância de outras pessoas?

Iago- Estas violências precisam ser discutidas e superadas, para criarmos ambientes de liberdade e segurança, o que só conseguiremos com muito debate e conscientização e com medidas que assegurem o respeito aos direitos dos LGBTQIA+, inclusive o direito à vida, que muitas vezes não é respeitado.

E para lidar com esse processo de intolerância, as pessoas devem estar abertas a aprender, pois a intolerância se combate com informação. E por mais que a contabilidade seja uma área tradicional, cada vez mais este espaço está se transformando e se tornando mais inclusivo e acolhedor para as pessoas, em toda a sua pluralidade.

CRCSP - O que é para você ser LGBTQIA+ no ambiente corporativo?

Iago- Ser LGBTQIA+ dentro do ambiente corporativo é muito desafiador e eu, enquanto homem gay, negro e pertencente a esta comunidade de contadores, vejo como muito positivas iniciativas como a do CRCSP e do Colid, que criam espaços de discussão e dão visibilidade a uma população que antes não era vista.

Minhas características, enquanto negro e LGBTQIA+, chegam muitas vezes antes de mim, com pessoas que me perguntam, por exemplo, quando irei cortar meu black powerantes mesmo de me cumprimentar. E mesmo diante de perguntas que chegam a ser desrespeitosas, é necessário dar respostas educadas. Então a busca pela igualdade e pelo respeito no ambiente corporativo é, geralmente, uma militância silenciosa.

Mas é possível quebrar estas raízes ao demonstrar seu conhecimento técnico e ao persistir, apesar dos desafios. O seu estar ali é importante não apenas para você, mas para outras pessoas LGBTQIA+ que virão depois.

Hoje eu converso com as pessoas e consigo ver uma diversidade maior na área corporativa e isto é necessário para que outras pessoas venham e para que essa intolerância e preconceito sejam cada vez mais marginalizados.

É importante percebermos que cada uma destas pessoas traz uma história de vida que não é desvinculada de sua profissão, pois a criatividade, o orgulho, o compromisso e outras qualidades vêm junto com ela e a área contábil só tem a ganhar.

CRCSP - Você tem orgulho de sua profissão?

Iago- Eu tenho muito orgulho da minha profissão e falo que não sei fazer outra coisa que não seja contabilidade e educar. Eu tenho orgulho deste papel que exercemos na sociedade para desmistificar preconceitos e de despertar nos ambientes profissionais um processo de sensibilidade.

A contabilidade permitiu que eu alcançasse essa missão e, a partir do conhecimento contábil, pudesse encontrar outras pessoas nesta luta com o Colid.

Celebrar o orgulho na Contabilidade e em todas as áreas é necessário, pois as áreas são feitas de pessoas. Celebrar a diversidade é trazer mais gente para esta escalada, para que ela seja menos árdua para todos e para que possamos nos orgulhar cada vez mais de nossa profissão.

Vamos nos orgulhar de quem somos, das bandeiras que levantamos e dos espaços que ocupamos. Orgulhe-se!