Norma sobre 'delação' deve ser adiada

Publicado em 4/4/2017

A adoção pelo Brasil de uma nova norma internacional que obriga contadores e auditores a reportar às autoridades irregularidades cometidas por clientes e empregadores deverá ser adiada.

A nova regra de conduta profissional estava prevista para entrar em vigor em julho de 2017, mas o grupo de trabalho responsável pela sua tradução e adaptação à realidade brasileira constatou que não há atualmente no país legislação que proteja os profissionais que comunicarem ilegalidades.

O Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) - membro do grupo, ao lado do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e da Fenacon, entidade patronal das firmas de contabilidade - acredita que serão necessários ao menos dois anos para que sejam feitas mudanças que garantam que contadores e auditores tenham a devida segurança legal ao reportar delitos.

"Precisamos dar aos nossos profissionais um conforto jurídico para que eles possam atender à norma, sem ter nenhum tipo de consequência, seja ela na relação comercial com o cliente, ou jurídica", diz Luiz Fernando Nóbrega, vice-presidente de fiscalização, ética e disciplina do CFC.

Desde 2014, contadores prestadores de serviços e auditores já têm a obrigação de reportar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) atos suspeitos ou comprovados de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo, com a garantia de sigilo da informação.

Em 2016, foram feitas 1,2 mil comunicações positivas ao Coaf, quando houve suspeita de lavagem de dinheiro pelos clientes, numa queda de 13% em relação a 2015. Os informes negativos - obrigatórios quando o profissional de contabilidade não encontrou nenhuma operação suspeita, que deve ser entregue até 31 de janeiro do ano subsequente - somaram 150 mil, com crescimento de 20% na comparação anual.

A nova regra, que será incluída no código de ética profissional das categorias, é mais abrangente do que a norma do Coaf, pois diz respeito a suspeitas de atos ilegais de maneira geral, incluindo, por exemplo, crimes ambientais, tributários e vinculados ao mercado de capitais. Além disso, prevê a obrigatoriedade de reporte também para contadores funcionários de empresas, e não apenas para os prestadores de serviços externos.

Segundo o presidente do Ibracon, Idésio Coelho, o grupo de trabalho para convergência da norma constatou, de maneira preliminar, que não existe segurança legal para aquilo que excede a regulamentação do Coaf.

Na visão do representante dos auditores, são três questões principais que precisarão ser tratadas, antes que a norma possa ser levada a audiência pública: determinar com clareza o que reportar e quando reportar - criando, por exemplo, uma lista de princípios para definir o que são "suspeitas de atos ilegais"; determinar a autoridade ou autoridades que receberão as alegações; e garantir a preservação do sigilo.

"Não existe esforço para que a norma não seja adotada, mas ela tem que ser implementada com proteção legal ao profissional", defende Coelho. Segundo ele, uma vez confirmadas as lacunas legais existentes, será necessário trabalhar junto aos poderes executivo e legislativo para que as legislações necessárias sejam aprovadas, o que leva tempo.

Editada em julho de 2016 pelo Conselho Internacional de Normas Éticas para Contadores (Iesba, na sigla em inglês), a nova norma, conhecida como "Noclar" - ou Resposta ao Descumprimento de Leis e Regulamentos, em português -- deverá ser adotada por cerca de 120 países a partir de julho deste ano. Coelho acredita, no entanto, que outros países poderão enfrentar dificuldades na implantação, e relata que os anglo-saxões deverão ter menos problemas, por terem regulações já mais adequadas às novas exigências.

O representante dos auditores espera que a mudança do código de ética da profissão contábil, quando realizada, sirva de exemplo a outras categorias profissionais. "O ato ilegal beneficia poucos e prejudica muitos. A Noclar tem como objetivo maior influenciar outras profissões, como tributaristas, advogados e engenheiros, por exemplo, para que elas também tenham seu código profissional alterado", afirma.

O vice-presidente do CFC lembra que, quando a regra do Coaf sobre lavagem de dinheiro foi aprovada, também causou furor na classe contábil, que comparava a obrigação de reporte às delações. "Foi feito todo um trabalho de conscientização, para o profissional entender que não se tratava de delação, mas apenas da comunicação de operações de cunho atípico, que podem ou não ser levadas a investigação pelo Coaf", lembra Nóbrega.

CFC e Ibracon acreditam que trabalho semelhante de esclarecimento deverá ser feito agora, com relação à Noclar, particularmente para que o contador funcionário de empresa possa se sentir seguro para comunicar às autoridades, quando isso se fizer necessário.

Fonte: Valor Econômico – Thais Carrança.