CVM pode processar auditor de empresa em caso de corrupção

Publicado em 23/5/2017

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode processar auditores de companhias abertas envolvidas em casos de corrupção, como os da Operação Lava-Jato da Polícia Federal, caso verifique falha nos procedimentos adotados por esses profissionais.

"Os auditores desempenham um papel fundamental na avaliação da regularidade das demonstrações financeiras vis-à-vis as regras contábeis. Assim, caso se verifique o descumprimento das normas contábeis ou de auditoria na realização de seus trabalhos, estarão sujeitos a processos sancionadores para verificação de suas responsabilidades", disse a autarquia, em resposta a questionamento por e-mail do Valor, ainda antes da divulgação da delação dos executivos e controladores da JBS, que admitiram o pagamento de propina a políticos de inúmeros partidos.

A JBS teve seus balanços de 2013, 2014, 2015 e 2016 auditados pela BDO RCS. Entre 2011 e 2012, a auditoria foi da KPMG, que havia comprado a BDO Trevisan, que prestava o serviço nos anos anteriores. Logo após a transação, a marca internacional BDO se associou à RCS no Brasil e reassumiu a conta dois anos depois.

Outra companhia de capital aberto que admitiu pagamento de propina foi a Braskem, controlada pela Odebrecht - esta última de capital fechado. A PwC prestou serviço de auditoria para a petroquímica entre 2010 e 2014. A KPMG assumiu os trabalhos no Brasil a partir de 2015, por conta do rodízio obrigatório, e a PwC segue prestando serviço para fins de reporte nos Estados Unidos.

O fato de uma companhia ter pago propina a políticos não implica, necessariamente, em falha no processo de auditoria.

A CVM terá que analisar, no caso concreto, se as normas da profissão foram cumpridas e se os auditores exerceram o ceticismo que se espera deles.

O especialista em governança corporativa, Alexandre Di Miceli, professor da Fecap e sócio da Direzione Consultoria, diz que a atuação das auditorias foi "absolutamente inacreditável", no caso, por exemplo, da baixa contábil da Petrobras. "Além da corrupção, no caso da Petrobras, você tem um valor muito maior, de mais de R$ 40 bilhões, em que os ativos estavam sobrevalorizados e que nos anos anteriores as auditorias aceitaram nos balanços", diz.

O especialista cita ainda, a existência de um departamento de propinas na Odebrecht, e o pagamento indevido de pelo menos R$ 1,14 bilhão pela JBS. "Não está se falando de um pagamento esporádico, e sim de um modus operandi. Espera-se pelo menos uma bandeira vermelha."

Quando confrontados com esses casos, os auditores argumentam que seu trabalho não tem a descoberta de fraudes como foco. E dizem que, apesar dos valores absolutos elevados de propina, os pagamentos são diluídos ao longo de anos, em balanços de empresas que faturam dezenas ou centenas de bilhões de reais.

Nos casos descobertos pela Lava-Jato, há ainda pagamentos por parte de acionistas controladores, por fora da contabilidade da empresa auditada, o que dificultaria ainda mais a detecção.

Presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho diz que esse tipo ação, principalmente quando cometida por membros da alta administração, é muito difícil de ser detectada em uma auditoria externa. "As fraudes não acontecem nos documentos oficiais, normalmente. Elas são feitas em acordos que estão por trás dos contratos, que são revestidos pela aparência de legalidade."

O representante do Ibracon cita ainda um estudo da entidade antifraude Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), que apontou que apenas 3,8% das irregularidades descobertas nas companhias em 2016 foram apontadas pela auditoria externa. A maior parte das fraudes, segundo o levantamento, é descoberta após denúncias (39,1%), auditoria interna (16,5%) e análise da gestão (13,4%).

Fonte: Valor Econômico – Fernando Torres e Rodrigo Rocha.