Auditor destaca incerteza no futuro das companhias

Publicado em 9/6/2017

Como reflexo da crise econômica, a incerteza com relação à continuidade operacional das empresas foi um dos assuntos mais frequentes no novo parecer do auditor independente. O novo modelo, baseado em norma internacional, foi adotado pelo Brasil este ano, junto aos resultados anuais das companhias abertas de 2016, divulgados de janeiro a março.

A conclusão é de uma pesquisa inédita do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), divulgada em primeira mão ao Valor. O tópico sobre continuidade operacional foi citado como principal ponto de auditoria (PAA) em 18% dos relatórios, segundo a análise, que abrange 546 empresas abertas.

Conforme o presidente do Ibracon, Idésio Coelho, a frequência do item é uma particularidade do momento atual do mercado. "Existem setores vivenciando elevado nível de endividamento, com prejuízos recorrentes, problemas de 'covenants' [rompimento de cláusulas de emissões de dívida]", cita o representante, que espera que o ponto se torne menos recorrente com o arrefecimento da recessão.

Do total de companhias analisadas pelo Ibracon, foram identificados 1.329 PAAs, representando uma média de 2,43 tópicos por empresa. O objetivo da norma internacional, ao incluir os principais assuntos de auditoria no parecer, foi dar maior transparência ao trabalho dos auditores para os públicos interessados nas demonstrações contábeis.

O assunto campeão foi o teste de valor recuperável ("impairment") de ativos não financeiros, presente em 32% dos pareceres. Nesse tipo de teste, a empresa verifica se o valor registrado em seu balanço como ativo é no mínimo igual ao benefício futuro que espera obter com ele. Quando isso não ocorre, é preciso fazer uma baixa contábil da diferença.

Segundo Coelho, a frequência desse assunto nos relatórios é resultado dos movimentos de consolidação entre as empresas, além da aquisição de licenças por concessionárias de infraestrutura, que geram ágios e intangíveis.

Os outros pontos mais frequentes foram receitas (29%), contingências (26%), instrumento financeiros (21%) e realização de imposto de renda diferido (21%). Para instituições financeiras, o ponto de auditoria mais relevante foi o "impairment" de ativos financeiros, presente em 58% dos pareceres do setor.

A norma determina que o auditor destaque o assunto considerado importante, liste os procedimentos realizados para responder ao tema, mas permite incluir ou não o resultado desses procedimentos. O levantamento do Ibracon mostra que, do total de empresas, apenas 23% incluíram os resultados de auditoria. Entre os bancos, o percentual foi mais elevado, de 58%. Dentre as firmas de auditoria, a que mais incluiu resultados foi a PwC.

Diante deste cenário, o Ibracon está criando um grupo de trabalho para uniformizar a inclusão ou não dos resultados de auditoria. A ideia da entidade é criar um consenso, a ser adotado por todas as firmas nos pareceres das demonstrações contábeis anuais de 2017, que serão divulgadas no início do ano que vem.

O grupo deve incluir agentes do mercado, academia e investidores, além da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e as empresas de auditoria. As reuniões devem começar no fim deste mês, com objetivo de concluir os trabalhos em setembro, de forma a orientar o trabalho das auditorias nos balanços anuais de 2017.

"Vamos discutir qual é a preferência geral, para tentar chegar a um consenso e evitar a diversidade, porque o momento de emissão do relatório não é apropriado para definir algumas coisas", afirma o presidente do Ibracon.

Segundo ele, o instituto não tem uma preferência pela inclusão ou não da informação, mas alguns mercados, como o Reino Unido - referência na aplicação de normas contábeis - adotou a inserção dos resultados. Também a linguagem usada na comunicação desses resultados poderá ser melhorada, avalia o representante.

"A ideia não é padronizar palavreado, porque a norma sugere que o relatório seja específico para cada auditoria, mas é tentar acordar conceitos", diz Coelho. "Acredito que a inconsistência não é boa para o mercado."

A inclusão no parecer dos valores considerados materiais (relevantes) pelo auditor para realização de testes - acima dos quais todos os casos são analisados, e não só por amostragem - também deverá ser discutida no grupo. Esse dado não é obrigatório pela norma, mas foi adotado por países como Reino Unido e Irlanda.

"Há membros da academia que entendem que deve haver essa divulgação. Nós não temos nada contra, mas entendemos que isso tem que ser bem explicado, porque pode gerar uma informação mal compreendida", diz Coelho.

Neste primeiro ano, a adoção dos principais assuntos de auditoria foi aplicada a todas as companhias de capital aberto. Em 2018, a norma passa a valer também para os fundos mútuos - um universo de 15 mil veículos de investimento que passam a ser auditados segundo a nova regra.

Fonte: Valor Econômico – Thais Carrança.